Uanderson Barreto já adotou cinco meninos de 10 a 16 anos e está em processo para a sexta adoção; já Peterson dos Santos é homossexual e conseguiu adotar um menino de nove anos através do apadrinhamento
Eles são homens, solteiros e que possuíam um sonho em comum, o de se tornar pai, algo que foi possível com a adoção tardia. O enfermeiro Uanderson Barreto, de 38 anos, já adotou cinco meninos e está em processo para conseguir a guarda do sexto.
Já o comerciário Peterson Rodrigues dos Santos, de 37 anos, é homossexual e descobriu através do apadrinhamento que, para adotar, basta querer ser um verdadeiro pai . Ambos quebraram estereótipos, optaram pela adoção tardia e, agora, são provas vivas de que uma família é, na verdade, um sinônimo de amor, cuidado e respeito.
A trajetória de Barreto começou em 2005, quando tinha 25 anos. Ele passou a frequentar abrigos, mas, como era jovem, não conseguiu concluir um processo de adoção. “Sempre quis ser pai, era meu sonho. Eu queria adotar, mas fora dos padrões braseiros. A maioria das pessoas só quer meninas brancas recém-nascidas, por isso, os acolhimentos estão cheios de meninos, e a adoção tardia quase não acontece”, diz o enfermeiro em entrevista ao Deles .
Meu sonho é conseguir tirar 10 crianças que têm poucas chances de serem adotadas de um abrigo"
A avó de Barreto teve dez filhos e adotou mais um, e isso sempre foi uma inspiração para o neto. “A adoção sempre foi uma realidade na minha família, e meu sonho é conseguir tirar dez crianças que têm poucas chances de serem adotadas de um abrigo”.
O sonho dele começou a se tornar realidade anos depois da primeira tentativa de adoção tardia, quando o enfermeiro, que mora na cidade Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, voltou a visitar um abrigo da região.
“Quando cheguei lá, me disseram que tinham um menino maravilhoso para me apresentar, o João, de dez anos. Quando eu o vi, foi um encontro de almas. O processo de adoção não foi complicado por eu ser pai solteiro. Hoje em dia, a lei está mais flexível e não exige que você seja casado, mas o processo de adoção por si só é demorado e burocrático, por uma necessidade de analisar o perfil de quem quer ficar a criança, um processo natural e de segurança.”
Depois de enfrentar toda a parte burocrática, Barreto conseguiu adotar João, porém descobriu que ele tinha um irmão, o Daniel, de 12 anos, que possui necessidades especiais por ter um grave retardo mental. Sem pensar duas vezes, o carioca decidiu entrar novamente com um processo de adoção tardia para não separar os irmãos.
“Não senti em momento algum medo de assumir a paternidade sozinho. Claro que tive certa insegurança imaginando se daria conta de tudo, mas as pessoas à minha volta, como minha mãe e meus amigos, passaram a me ajudar. Deus nunca mais me deixou sozinho. Depois dos meus filhos, descobri que sempre vou encontrar apoio”, afirma.
A nova vida como pai seguia bem, mas, ao fazer uma nova visita com a mãe dele ao abrigo, conheceu Alexandre, de 16 anos. No dia, era a festa de aniversário do menino, e Barreto ficou sensibilizado porque sabia que as chance dele ser adotado com essa idade eram quase nulas. Diante dessa delicada situação, o enfermeiro decidiu novamente optar pela adoção tardia e iniciou um novo processo de adoção.
Eu me impus como pai, dando amor e limites, porque essas coisas são fundamentais para criar um filho"
“Não satisfeito, fui a outro abrigo e conheci o Pedro, de oito anos. Ele não queria ser adotado por ninguém, mas aceitou vir passar um Natal na minha casa e nunca mais quis voltar para o abrigo”, lembra.
“Eu fiquei com a guarda provisória dele e depois parti para a adoção. O detalhe é que Pedro tinha um irmão, José Carlos, de 16 anos. Mais uma vez, não quis separar os irmãos e também resolvi adotar o José Carlos, que no processo de adoção mudou o nome para Leonardo.”
Foi assim que Barreto concretizou a adoção dos seus cinco filhos. “A adaptação das crianças foi tranquila, não teve nenhum momento conflituoso. Eu me impus como pai, dando amor e limites, porque essas coisas são fundamentais para criar um filho e, graças a Deus, todos vivemos super bem, harmoniosamente. Claro que existem problemas, umas fases complicadas, mas sempre nos resolvemos na conversa”, relata o pai.
Com uma casa tão movimentada, o enfermeiro, que também é servidor público como auxiliar de serviços gerais, teve que adaptar o orçamento. Por mês, são consumidos na casa dele cerca de 40 kg de arroz e 15 kg de feijão, fora a mistura e todos os outros mantimentos.
A conta de água e luz também aumentou consideravelmente, mas tudo isso não é um problema para Barreto, que diz aos risos que não compra mais nada para ele, tudo é para os filhos. “Ser pai de tantos meninos é a história mais bonita da minha vida, eu realmente acho isso lindo.”
Ser pai de tantos meninos é a história mais bonita da minha vida. As pessoas brincam que cada Dia dos Pais eu passo com um filho novo"
A principal dificuldade que o pai enfrentou foi com a escola, pois os meninos tiveram uma defasagem muito grande de estudo e, conforme conta o servidor público, os professores, às vezes, não entendiam isso.
“Eu os ajudei muito porque quero sempre estar presente para cuidar deles e garantir que se sintam felizes, esse é o meu compromisso como pai”, enfatiza.
Agora, Barreto está esperando seu sexto filho, mais uma adoção tardia de um menino (cujo nome não pode ser citado por ele estar em processo de adoção). O que pode ser divulgado é que ele tem 13 anos, é negro e nunca tinha recebido uma visita de alguém interessado em adotá-lo. A guarda provisória está para sair e, por isso, o Dia dos Pais deste ano ganhou um significado ainda mais especial para o enfermeiro.
“As pessoas brincam que cada Dia dos Pais eu passo com um filho novo. Eu sou um defensor da causa, incentivo as pessoas a adotarem. Meu sonho é ter dez filhos e estou tentando concretizar isso”, afirma o pai, que montou uma página no Facebook chamada “Adotando Vidas”, com o intuito de formar uma corrente do bem para ajudar as pessoas que mais precisam, como moradores de rua, e todos os filhos dele ajudam nesse projeto solidário.
Adoção tardia é possível para todos, basta querer
Em agosto de 2013, Santos decidiu que faria um trabalho voluntário e resolveu conhecer o apadrinhamento afetivo, que é uma forma de proporcionar uma convivência familiar e comunitária a crianças e adolescentes que possuem poucas chances de serem adotadas.
“É um projeto mais parecido com um voluntariado, no qual as pessoas da comunidade se inscrevem para se tornar padrinhos de crianças que estão há muito tempo no abrigo. E, mal sabia eu que esse seria o meu primeiro passo para a adoção tardia.”
Tinha certeza de que eu jamais seria pai por ser homossexual, solteiro e pobre"
Para se tornar padrinho, o comerciário precisou participar de várias oficinas, e a todo o momento ele achava que seria barrado em alguma etapa desse processo, mas ele estava enganado.
“Eu achava que esse voluntariado seria uma maneira de fazer o bem e suprir alguma carência que eu possuía porque, na minha cabeça, eu tinha certeza de que eu jamais seria pai por ser homossexual, solteiro e pobre”, revela em entrevista ao Deles .
Após todas as oficinas, houve uma festa para os padrinhos conhecerem as crianças. Santos lembra que ele usava uma fita verde no braço e, durante a festa, se ele se identificasse com alguma criança deveria colocar uma fita vermelha nela para que ninguém mais a escolhesse para apadrinhar. Foi nessa ocasião que o comerciário, que mora no Rio Grande do Sul, conheceu o Lucas.
“Lembro que tinha uma criança que só corria e não deixava ninguém chegar perto dela, achei que tinha cinco anos, mas depois descobri que tinha sete. Ele chegou perto de mim, me deu um balão e disse: ‘Tio, segura para mim? ’, eu segurei. Depois, ele voltou com um casaco e pediu para eu segurar também. Quando ele veio pela terceira vez, eu perguntei: ‘Você já tem um ‘dindo’? E ele disse: ‘Sim, é você’. Ali minha vida mudou, pois foi ele quem me escolheu.”
O apadrinhamento já aconteceu nesse mesmo dia e, nos dois anos seguintes, Santos pegava Lucas todos os finais de semana para ficar com ele e nas férias também. “Em 2016, ele foi destituído do poder familiar, ou seja, o Lucas foi colocado para adoção. Eu percebi que não conseguia mais ficar longe dele, então decidi entrar com um processo para tentar conseguir a guarda.”
O processo foi bem demorado, foi mais de um ano até essa adoção tardia se concretizar . Santos lembra que até que o processo fosse concluído, ele nunca deixou que Lucas o chamasse de pai. “Não queria criar uma falsa expectativa nem nele e nem em mim. Nós tínhamos um parecer favorável da assistente social e do juiz, mas faltava uma assinatura para poder trazê-lo para casa de vez. Quando deu certo, não conseguia acreditar no que estava acontecendo”.
O comerciário costuma dizer que o “parto” do Lucas aconteceu no hospital, porque quando a guarda saiu, o menino estava em uma consulta médica, e o pai combinou com o abrigo que iria buscar o agora filho no hospital para levá-lo para o seu novo lar. No início, Santos recebeu uma certidão provisória e, durante seis meses, ele foi acompanhado por assistentes sociais. Só depois desse período, conseguiu a guarda definitiva.
O gaúcho morava sozinho, mas após a adoção tardia voltou a viver com a mãe. Ele explica que tomou essa atitude porque após ter um filho não é só a situação financeira que muda, mas a logística também, e sozinho não conseguiria conciliar a função de pai com o trabalho, a faculdade e as ações voluntárias.
Entretanto, a mudança de casa, na verdade, foi só um detalhe. “Todas as minhas dificuldades foram antes da adoção tardia porque eu não tinha informação. Hoje, faço questão de enfatizar que todos que querem têm a oportunidade de adotar, e todas as crianças são adotáveis, meu filho veio para casa com nove anos e agora já está com 12”, diz o pai que sente que ele acolheu, mas também foi acolhido.
“Nós nos adotamos! No início, eu jamais imaginava que eu teria filhos porque achava que não conseguiria adotar, eu sempre achei que viveria à margem da sociedade por ser homossexual e, hoje, sei que posso fazer o que eu quiser”, afirma. “A adoção mudou minha vida totalmente e, após essa experiência, eu decidi que quero ser assistente social e já estou quase concluindo o meu curso. Também fundei uma ONG que oferece grupos de apoio à adoção em várias cidades do Rio Grande do Sul e também realiza a capacitação para o apadrinhamento afetivo.”
Adoção não é uma caridade, porque ser pai e mãe não é algo passageiro"
O futuro assistente social fala que Lucas é um grande parceiro dele e que após a adoção tardia a relação deles passou a ser literalmente de pai e filho que se respeitam e se amam. “As pessoas me dão parabéns, mas não vejo dessa forma, acredito que é um grande erro quando as pessoas que adotam começam a acreditar nos elogios que recebem e acham que realmente são especiais por terem tirado uma criança de um abrigo. Não é desse jeito, porque adoção não é uma caridade, porque ser pai e mãe não é algo passageiro, é para sempre”, conclui.