Eles já tiveram que enfrentar preconceitos por não gostar do esporte mais popular do país, chorar em filmes, expressar aquilo que sente, ser romântico e não tratar mulheres como objetos. Conheça as histórias desses homens
"Não gosto de futebol", "Sou romântico e chorão", "Vou ensinar meu filho que mulheres são pessoas e não objetos", "Trato todos com educação e gentileza". Não, essas frases não de "mulherezinhas", mas, sim, que homens que assim como elas também são afetados com os diversos preconceitos sociais gerados pelo machismo.
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Se você é daqueles que pensa que o machismo só afeta as mulheres é bom rever sua opinião, já que esse problema atinge a sociedade de um modo geral, nem as crianças escapam. Reprimir aquilo que realmente você gosta, fazer algo que não quer para se inserir em um grupo e ter medo de expressar aquilo que sente são só alguns dos diversos conflitos que os homens vivem por tentar mostrar para os outros que são, sim, um "homão da porra".
Ainda falta para muitos homens perceber que a masculinidade não está relacionada com gostar de futebol, tomar uma cerveja, falar que uma mulher é gostosa ou ser a principal fonte de renda de uma família. Muitos marmanjos fingem ser algo que não são com medo de represálias e preconceitos e quem se mostra diferente dos “padrões” sociais acaba sofrendo na pele. Veja depoimentos de homens que já viveram situações relacionadas ao machismo:
Ricardo Fonseca, 37 anos
Existe algum problema em ser gentil, educado e comunicativo? Aparentemente, para diversas pessoas, sim! O analista de RH Ricardo Fonseca, mais conhecido como My Friend, sempre teve que ouvir piadinhas maldosas que questionam a orientação sexual dele simplesmente por possuir essas características.
“Tenho um costume, uma mania, um hábito de tratar todo mundo muito bem. Converso com todos, organizo happy hours, brinco com pessoas e esse jeito expansivo acaba sendo interpretado de outra forma”, explica Ricardo. “O pessoal diz que sou muito atencioso, em outras empresas que trabalhei as meninas chegaram e me perguntar se eu era gay por causa disso”, completa.
No passado, My Friend ficava irritado com esse tipo de desconfiança, mas hoje garante que dá risada quando passa por situações parecidas. Na atual empresa em que trabalha, por exemplo, ele conta que os próprios amigos tiram bastante sarro do jeito gentil dele, mas ele não se importa e ainda leva tudo na brincadeira.
“Esse realmente é o meu jeito. Teve um momento que até cheguei a pensar em mudar meu perfil, não cumprimentar tanto as pessoas e deixar de ser atencioso e tão educado. Eu até tentei, mas não consegui porque é uma característica minha. Sou casado, tenho dois filhos e muito bem resolvido”, expõe Ricardo.
Afonso Giglio, 52 anos
O gerente de banco Afonso Giglio acredita que todas as atitudes machistas prejudicam tanto as mulheres quanto os homens, pois exercem uma pressão psicológica tão forte que, às vezes, mesmo sem querer, você infelizmente tem atitudes desse gênero. Assim como Ricardo, ele também enfrentou o preconceito, só que por um motivo diferente – gostava de um esporte que não é considerado a paixão nacional e não tinha medo de expor os sentimentos.
"Quando era jovem, gostava de vôlei, e naquela época quem não jogava futebol era gay. Graças a Deus esse pensamento mudou. O problema é que na época do colégio, a educação física era 99% futebol. Eu era humilhado porque não gostava de jogar, era sempre o último a ser escolhido na formação dos times e ridicularizado por não jogar bem”, relata Afonso.
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Fora isso, o gerente de banco é apaixonado por manifestações artísticas e gosta de expressar aquilo que sente. “Sou mais sensível, gosto de arte e não vejo problema em chorar quando tenho vontade. Também me sinto pressionado, muitas vezes quando estou assistindo a um filme e se me emociono e sou zuado pelos outros”, desabafa.
Flávio José dos Santos, 35 anos
Em diversas situações, os homens se sujeitam a situações ou têm atitudes que normalmente não teria só para sentir que pertencem a um grupo. “Nossa sociedade está cada vez mais intolerante com os pensamentos diferentes do que é ‘pregado’ por ela”, afirma o contador Flávio José dos Santos.
Por não tratar as mulheres como um objeto ou uma conquista barata, ele chegou a ser julgado na adolescência. “No começo da minha juventude, achavam que eu não gostava de mulheres, inclusive quando me viram beijando uma garota em uma festa parecia que o mundo tinha acabado”, lembra Flávio os risos.
O contador relata que sempre que tem um pensamento ou atitude equivocados, se sente na obrigação de se colocar no lugar do outro e imaginar se ele gostaria de passar por aquilo. “Não me sentia confortável quando na minha turma de amigos começavam falar das mulheres como conquistas pessoais, como se fossem troféus, sempre acabava arrumando uma forma de mudar o assunto ou sair daquele ambiente. O respeito deve existir acima de tudo”, enfatiza.
João Victor, 6 anos
Com apenas seis anos, João Victor já enfrenta situações chatas por ser um menino que não gosta de correr atrás de uma bola. “Ele nunca demonstrou afinidade nenhuma com esse esporte e olha que a família toda ama. As pessoas sempre alfinetam, dizendo que ele tem que gostar de futebol porque ele é menino e meninos gostam disso. Como se gostar de futebol fosse interferir na opção sexual dele”, diz a professora Débora Ferreira, mãe do pequeno.
Essa é uma prova que desde cedo os estereótipos sociais atrapalham nas escolhas pessoais. A mãe do garoto lembra que recentemente foi ao médico com o filho e o pediatra, para descontrair, perguntou qual era o time que ele torcia. Instantaneamente João fez uma cara de irritado e, para amenizar a situação, Débora disse ao profissional que ele não gostava de futebol e o médico soltou um: “Ah, que coisa, né?”.
“No começo, foi difícil, porque a sociedade cria um perfil que todos devem seguir. Ele ganhou inúmeras coisas de time, e as pessoas esperavam que ele gostasse. Uma vez uma tia muito querida deu um carrinho do time do pai dele. Ele nem quis saber do brinquedo, lógico que foi uma situação constrangedora, mas depois ela acabou entendendo”, conta a professora.
O pai do menino ama futebol e está sempre ligado em tudo que acontece. Tentou de tudo para mudar o gosto do filho, comprou uma camisa de time, conversava sobre o assunto, mas o pequeno nem ligava. Débora acredita que o marido tem vontade de levar João a um estádio para assistir a um jogo, porém compreende que o pequeno não gosta desse esporte e não força nada. Eles até criaram uma brincadeira com isso, o João diz para o pai que ele só pensa em futebol e o pai diz que o filho só pensa em Pokémon.
Independência nas escolhas
“Para algumas pessoas é um absurdo um absurdo um menino não gostar de futebol, eu mesma, demorei a entender o mundo do meu filho e o quanto isso irritava ele. No momento em que entendi o mundinho dele e passei a apoiá-lo, toda vez que alguém tenta impor algo a ele eu simplesmente corto”, revela a mãe de João Victor. “Agora, se falam que é coisa de menino eu sempre brinco dizendo: ‘Onde está escrito na constituição que ele é obrigado a gostar’”, completa.
O garoto tem tanta personalidade que já quis até uma festa de aniversário com o tema “sistema solar”. Muitos acharam estranho os gostos dele – inclusive as mães dos coleguinhas de João –, mas Débora garante que está sendo criado para ser feliz e independente nas escolhas.
“O João recebe uma criação a base do respeito, ensino para ele que não existe serviço de mulher e serviço de homem, que ele deve ajudar a mamãe, respeitar as mulheres e, acima de tudo, respeitar todas as pessoas, independente da situação”, finaliza.
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O machismo ainda está presente e enraizado na sociedade, mas ninguém ganha com isso. Essas histórias mostram que esses caras e esse garotinho são homens, heterossexuais, masculinos e livres de qualquer estereótipo.