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A crônica foi escrita por um historiador e ao ser compartilhada por Ronaldo Junior ganhou força no Facebook: "Não imaginava o alcance que o post teria"

Admitir que é  um homem machista pode não ser uma tarefa simples, mas ao ler uma crônica sobre machismo e se identificar com ela, o programador Ronaldo da Silva Mendonça Junior, de 31 anos, resolveu compartilhar o texto com uma foto dele e, para sua surpresa, a publicação acabou viralizando. “Meu propósito era causar um impacto nas pessoas próximas, nunca pretendi e não imaginava o alcance que o post teria”, conta Junior ao Deles .

Ronaldo Junior compartilho no Facebook um texto sobre o machismo que está viralizando nas redes sociais e na Argentina
Reprodução/Facebook
Ronaldo Junior compartilho no Facebook um texto sobre o machismo que está viralizando nas redes sociais e na Argentina


A crônica publicada por Junior é um texto escrito pelo historiador Carlos Eduardo de Castro, que há alguns anos tem se dedicado ao estudo de gênero e a como as estruturas sociais baseadas no patriarcado e no machismo afetam as pessoas. Durante esse tempo de pesquisa, Castro se deparou com estatísticas assustadoras envolvendo casos de violência contra a mulher no Brasil e como muitas vezes as agressões resultam em morte.

“Não é mais possível assistirmos a agressão contra a mulher e nos calarmos, fazermos de conta que ela não existe. Este é o motivo que me levou a escrever esta crônica e outros textos sobre o tema”, fala o historiador em entrevista ao Deles . Castro explica que o machismo é algo que está tão enraizado na sociedade que acaba se tornando “natural” e, por isso, muitos homens e mulheres não percebem mais isso.

A crônica chamou atenção de Junior porque ele se identificou com várias das atitudes machistas que é citada no decorrer do texto. O programador conta que sempre respeitou as pessoas, mas foi só quando conheceu Stephanie Pinheiro, sua atual noiva, que ele começou a perceber o quanto as mulheres são desvalorizadas pela sociedade.

Nunca havia prestado atenção no que realmente acontece com as mulheres diariamente

“Sempre tratei todo mundo bem, mas antes de conhecê-la sinto que eu nunca havia prestado atenção no que realmente acontece com as mulheres diariamente”, afirma. “Já presenciei  atitudes machistas diversas vezes, infelizmente acaba sendo algo repetitivo no nosso dia a dia. Como a crônica do Cadu mostra, o machismo se naturaliza de uma forma que as pessoas praticam como se isso fosse parte dos seus afazeres diários.”

Junior ainda não é pai, mas tem irmãos mais novos e três afilhadas e garante que tentar passar para eles valores como respeito ao próximo e empatia para que sempre busquem compreender os problemas e dilemas dos outros. “A gente está vivendo em um mundo cheio de boas oportunidades, mas que trata tudo com egoísmo, precisamos mudar isso”, enfatiza o programador.

O que chama atenção é que, devido ao imediatismo das redes sociais, as pessoas não costumam ter muita paciência para ler grades textos nas redes sociais, mas mesmo essa crônica se enquadrando na categoria “textão”, a publicação sobre machismo viralizou e já soma mais de 100 mil reações no Facebook e mais de 105 mil compartilhamentos, e esses números não param de crescer.

“Felizmente as pessoas tem sido muito simpáticas. Tiveram alguns casos isolados de pessoas que, mesmo com o aviso de que se trata de uma crônica e que eu não sou o autor, interpretaram mal o texto e vieram me agredir verbalmente pelo chat do Facebook. Esse foi o motivo pelo qual eu bloqueei meus pedidos de amizade”, confessa Junior.

Mostrei um pai que reconheceu sua culpa após reproduzir o machismo

Para Castro, a repercussão foi uma grande surpresa. “Acredito que existam alguns motivos para que tanta gente tenha lido, compartilhado e indicado a leitura para outras pessoas. Primeiro porque tivemos alguns casos [de violência contra a mulher] emblemáticos e chocantes recentemente, como o da Tatiane Spitzner, segundo que o título desperta interesse e curiosidade e, por fim, a forma como construí o texto, mostrei um pai que reconheceu sua culpa após reproduzir o machismo ”, relata o historiador.

O texto de Castro não está bombando apenas nas redes sociais aqui no Brasil, a crônica foi traduzida para o espanhol e está fazendo um grande sucesso na Argentina, chegou até a virar notícia na imprensa local. Por aqui, além de Junior, a promotora e referência na luta pelos direitos da mulher, Gabriela Manssur, e a política e ativista feminista, Manuela D’Ávila, estão entre as personalidades que compartilharam a crônica.

Confira o texto viral sobre machismo na íntegra

A crônica escrita pelo historiador conta a história de homem machista que passou esse valores para sua filha
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A crônica escrita pelo historiador conta a história de homem machista que passou esse valores para sua filha


“Sou machista. Fui criado assim. Cresci, casei e tive uma filha. Sempre subjuguei a minha mulher, o que achava ser completamente natural. Afinal, o machismo é tão estrutural que se naturaliza. Usava adjetivos como incompetente, idiota, estúpida, para criticar muitas de suas falas e posturas, e assim a diminuir, apequenar. Nunca a agredi fisicamente, mas praticava a violência psicológica. Minha filha foi criada nesse ambiente.

Eu ria das piadas que humilham ou desqualificam as mulheres, e as reproduzia. Quando alguma se ofendia e reclamava, eu perguntava se não tinha senso de humor, era só uma piada, uma brincadeira.

Além disso, sempre fui muito moralista, especialmente quando via mulheres com roupas muito curtas. Tantas vezes disse que estavam pedindo para serem estupradas. Lembro de uma vez que me contaram sobre um caso de estupro de uma moça “moderninha” do bairro onde moro, e questionei se foi estupro mesmo. Afinal, ela abusava, pedia, né? Minha filha ouvia tudo isso.

Defendia que homens e mulheres são muito diferentes e os direitos não poderiam ser iguais

Defendia que homens e mulheres são muito diferentes e os direitos não poderiam ser iguais. Reproduzia as falácias de que homem é mais racional, mulher é mais sentimental; que um monte de mulher num mesmo ambiente de trabalho não dá certo; que mulher fala demais; que mulher gosta de fofoca; que homens são mais competentes para gerir negócios; que tem mulher que gosta de apanhar; que criança mal educada é culpa da mãe, etc. Minha filha aprendeu tudo isso.

Uma vez um vizinho agrediu fisicamente sua mulher. Minha esposa e minha filha falaram em chamar a polícia. Impedi-as. Disse que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Quem sabe o que ela fez pra ele perder a cabeça? Minha filha introjetou essa ideia.

Eu desumanizava a figura feminina. As mulheres mais independentes e desprendidas das regras morais as quais eu defendia, eu chamava de vaca, piranha, galinha. Dizia que feminismo é coisa de mulher mal comida, feia, desajustada, recalcada. Ficava ofendido quando alguém me chamava de machista, dizia, “nem machismo, nem feminismo, nada de ismos”. Minha filha chegou até a reproduzir algumas dessas minhas falas.


Recordo quando ela me apresentou a ele. Estavam começando a namorar. Uma vez a ouvi conversando com uma amiga e dizia que ele era meio grosseiro às vezes, mas homem era assim mesmo, né? Eu era a sua referência.

Outra vez falava com uma prima sobre ter encontrado ele com outra, mas ele se desculpou e disse que a amava. Lembrou que há alguns anos, a mãe também havia descoberto algumas puladas de cerca minhas, e que isso era coisa de homens mesmo.

Eu gostava dele. Era um cara muito simpático e trabalhador. Ria muito das piadas que eu contava sobre mulheres e até trouxe algumas novas que ampliaram meu repertório.

Casaram-se. Com a minha bênção. Uma vez ela reclamou para a mãe que ele era muito ciumento e a cerceava. Envolvi-me na conversa e disse que ele era o homem da casa e ela tinha de respeitá-lo, e que ciúme era sinal de amor. Ela concordou. Percebi que algumas vezes ele falava com ela de uma forma agressiva.

Chamei-o para uma conversa. Pediu-me desculpas, disse que ia se policiar, “mas que mulher falava demais, sabe como é, acaba deixando a gente nervoso”…  Acabei concordando com ele.

Ontem recebi uma ligação da polícia. Soube que minha filha estava morta. O seu companheiro a havia atirado da varanda

Há pouco tempo ela chegou em casa com um hematoma no olho, o rosto inchado e marcas nos braços. Perguntei o que era aquilo e ela respondeu que havia caído das escadas, mas estava bem, que eu não precisava me preocupar. Perguntei se estava tudo bem entre ela e o marido. Ela disse que sim, que ele a amava.

Ontem recebi uma ligação da polícia. Soube que minha filha estava morta. O seu companheiro a havia atirado da varanda do apartamento no décimo andar, ou a esfaqueado, ou a alvejado, ou a estrangulado, ou a agredido até a morte, durante uma briga conjugal.

Vizinhos ouviram os gritos de socorro dela, mas ninguém se envolveu ou chamou a polícia, afinal, em briga de marido e mulher não se mete a colher.

Eu cai, ou fui esfaqueado, ou agredido, ou estrangulado, ou alvejado, junto com minha filha. Agora jazo neste chão frio. A queda, ou o tiro, ou o estrangulamento, ou a agressão, ou a facada, que destroçou minha alma, aguçou meus sentidos. Consigo ver, consigo ouvir. Vejo agora com uma clareza e lucidez que me lancinam: o machismo, que sempre naturalizei e reproduzi, oprime, fere, mata.

Ouço o grito dos feminismos. É um grito de dor. É um grito ancestral. É um grito por igualdade de direitos e oportunidades

Ouço o grito dos feminismos. É um grito de dor. É um grito ancestral. É um grito por igualdade de direitos e oportunidades. É um grito por respeito. É um grito pela vida. É o grito da minha filha, e da sua. Agora é tarde para mim. Agora é tarde para ela. Matei minha filha. A cada ato machista eu matei minha filha. Matei também outras filhas, irmãs, mães…”.

Vale ressaltar que Castro tem outros textos que ele compartilha em suas redes sociais sobre machismo e sobre o quando isso é tóxico para a sociedade.

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