Por dez anos após o diagnóstico, Cris Nogueira não conseguiu manter o foco nos exercícios e dieta para controlar os níveis de glicose, mas após descobrir o universo da motovelocidade encontrou o incentivo que precisava
O administrador Cristiano de Aquino Nogueira, de 46 anos, era um jovem ativo quando passou a perder muito peso de uma hora para outra. Em apenas seis meses, foram 8 kg a menos, além de muita sede, vontade de urinar, dor nas pernas, cansaço… sintomas característicos de diabetes
. O diagnóstico foi um baque, mudou sua vida completamente, e hoje ele conta como encontrou na motovelocidade o foco que precisava para seguir corretamente o tratamento.
Nascido em Osasco, o paulista descobriu ter diabetes tipo 1 aos 23 anos, após medir o nível de açúcar no sangue durante uma campanha para conscientizar a população sobre a doença. No momento, a glicose estava em 370, quando o ideal é estar em torno de 100. Hoje piloto de motovelocidade , ele foi encaminhado para especialistas e uma bateria de exames. Para o tratamento, o indicado foi deixar de fazer a maior parte dos esportes que praticava.
“Na época, acreditava-se que uma pessoa com diabetes não deveria praticar exercícios anaeróbicos, como musculação, apenas os aeróbicos, como corrida e caminhada. Nogueira poderia manter o futebol que praticava, já a bike e o skate, só se acompanhado por outra pessoa.
Por outro lado, o surf que ele tanto gostava precisou deixar de lado, já que os médicos o alertaram para o risco dele passar mal durante a atividade física no mar, o mesmo com outros exercícios individuais, pelo risco de um mal súbito sem ter alguém para ajudar.
A dieta que precisou seguir também era restritiva, sem pão, massa ou qualquer outro tipo de carboidrato. Nogueira conta que demorou um ano para “cair a ficha” do diagnóstico e ele entender o que realmente estava acontecendo. “A partir do momento em que você passa a controlar a doença, com a ajuda da insulina, diminui demais os sintomas, e você acha que está tudo normal. Parece que você nem mesmo tem a doença, então dá uma relaxada.”
O maior problema é que o diabetes também é uma doença que mexe com o psicológico da pessoa, por conta desses altos e baixos. Em um momento, o medo pelo descontrole, depois, a calmaria por não sentir mais os sintomas. Ao longo dos últimos 20 anos, o paulista viveu muitos altos e baixos, com controle super rígido ou tempos de nem mesmo medir a glicose e ir ao médico. Mas foi só depois de uma década de diagnóstico que tudo mudou, mais uma vez.
Novos médicos e motovelocidade foram o incentivo que faltava
Passados dez anos, Nogueira encontrou uma nova endocrinologista, que tinha um método de tratamento diferente dos outros médicos. Após diversos estudos, ficou claro que exercícios anaeróbicos não eram prejudiciais para pessoas com diabetes. Na verdade, quanto mais músculos o paciente tivesse, mais fácil de controlar os níveis de açúcar.
Os medicamentos também evoluíram, não só o tratamento, e o paulista conseguiu voltar a ingerir os alimentos que gostava e de tudo, desde que de forma equilibrada e fracionada, nada de exageros nem mesmo aos finais de semana, como muita gente faz.
Com mais controle do próprio organismo, ele, que sempre gostou de motocicletas, passou a fazer um curso de pilotagem em 2005 e se apaixonou pelas pistas. Três anos depois, participou de sua primeira competição de motovelocidade. Em 2010, competiu de novo, e o gosto pelas pistas só aumentou cada vez mais.
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“Desde 2013/2014 não ando mais na rua de moto. Me dedico apenas nas pistas. No primeiro ano, eu senti muita dificuldade por conta do preparo físico, porque o preparo tem de ser muito específico para um bom rendimento. Então percebi que teria de dedicar um tempo maior para isso e procurar uma junta médica para isso também.”
Cris Nogueira, como é conhecido no Superbike, campeonato de motovelocidade em que participa, estava pronto mentalmente para competir em um campeonato que duraria um ano inteiro, mas sabia que seu corpo não respondia da mesma forma. Sendo assim, partiu para uma bateria de exames, que indicou uma alteração no coração. Uma situação normal, de acordo com a opinião de um especialista que o atende, mas que exige acompanhamento.
“Outro fator importante para eu ter feito essa bateria de exames é que perdi uma irmã com 33 anos há seis anos. Ela tinha diabetes desde os 23, só que não controlava. Começou a ter sintomas como apneia e falta de ar, mas não relacionaram com a doença. Em maio de 2012, ela teve um mal súbito logo após um almoço. Meu cardiologista disse que um ataque assim, sem manifestar dor, é mais comum do que se imagina.”
O especialista alertou que, apesar da alteração no coração dele não ser preocupante, o nível de açúcar no sangue continuava alto. “Em resumo, você tem um veneno correndo em suas veias, que está danificando seus órgãos de uma forma muito lenta, de uma forma que não tem como voltar atrás se forem afetados”, disse o médico a Nogueira.
O piloto entendeu que, mesmo tendo mais possibilidades de exercícios para realizar e alimentos para sua dieta, não tinha outra escolha: para conseguir se manter saudável e também conseguir continuar na motovelocidade, teria de controlar a alimentação da forma correta e manter o foco nos exercícios, além de encontrar o melhor tratamento. O controle teria de ser mais rígido.
“Você tem alguma dúvida de que isso pode matar?”
Quando passou a se dedicar à motovelocidade, Nogueira escutou a seguinte pergunta de seu instrutor: “Você tem alguma dúvida de que esse é um esporte de alto risco e pode matar?”. O especialista alertou que se o administrador não tomasse os cuidados mínimos e fizesse as coisas certas poderia se machucar feio. Para o paulista, o mesmo vale para o diabetes. “Essa doença mata, e pode ser mais rápido do que se imagina.”
O cardiologista de Nogueira indicou um novo endocrinologista, que repetiu todos os exames e recomendou um tratamento mais caro, mas também mais moderno ao piloto, que poderia ajudar não só na motovelocidade como também dar mais qualidade de vida no dia a dia.
O paulista passou a usar um sensor para medir a glicemia, que monitora o nível de açúcar no sangue durante todo o dia, mostrando não apenas o índice naquele exato momento, como no caso da picada, mas também a variação desse índice, se está caindo ou subindo muito rápido, por exemplo, ou está estabilizado. Sabendo disso, ele mesmo faz o que o pâncreas não consegue mais, que é injetar doses certas de insulina para ajustar o nível de açúcar no sangue.
“Eu também passei a fazer contagem de carboidratos, algo que foi indicado pelo nutricionista. Passei a conhecer mais os alimentos, e ainda como de tudo, desde que com a contagem correta de carboidratos que posso ingerir”, explica sobre seus novos hábitos alimentares.
Já os exercícios são mais focados na performance nas pistas. Nogueira pratica musculação quase todos os dias da semana e faz exercícios aeróbicos na esteira e bicicleta. Em duas vezes da semana, além do fortalecimento muscular também realiza treino HIIT , que é de alta intensidade e eleva mais a frequência cardíaca.
“Esse tipo de treino foi muito interessante para mim porque acelerou meu metabolismo. E com isso eu consegui até mesmo diminuir minhas doses de insulina”, revela o piloto. Mas vale lembrar que no caso de pessoas com diabetes é essencial pedir a opinião de um especialista e ter a liberação do mesmo antes de iniciar um novo exercício ou dieta.
Para se ter uma ideia da mudança positiva que os novos hábitos proporcionaram na vida do paulista, antes de tudo isso ele participou de uma etapa do campeonato de motovelocidade em Goiânia, no estado de Goiás, em que nas últimas duas voltas ele estava quase fatigado. Um ano depois, ele voltou para essa etapa com uma “surpresinha”: rodada dupla, quando os pilotos precisam correr duas vezes, não apenas uma.
“Quando eu subi no pódio, comentei com meus colegas que mais feliz do que estar lá em cima eu estava feliz por saber que se tivesse uma terceira corrida conseguiria terminá-la sem desgaste. Foi uma tremenda vitória.”
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E apesar da mudança na vida de Nogueira ter começado por conta do diagnóstico de diabetes, ele afirma que hábitos saudáveis não devem ser exclusividade de uma pessoa com uma doença como a dele.
“Se a gente for analisar, a dieta e o ritmo de exercícios de um diabético deveria ser o de todo mundo. É uma questão de saúde evitar sal, açúcar e gordura e ingerir mais alimentos integrais, por exemplo. Automaticamente a pessoa vai ter uma vida melhor, sendo diabético ou não”, completa o piloto de motovelocidade
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